LEI Nº 7.853, DE 24 DE OUTUBRO DE 1989.
Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua
integração social, sobre a
Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses
coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério
Público, define crimes, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso
Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Artigo.
1º Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno
exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de
deficiências, e sua efetiva integração social, nos termos desta Lei.
§ 1º Na aplicação e interpretação desta Lei,
serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e
oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do
bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios
gerais de direito.
§ 2º As normas desta Lei visam garantir às
pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais necessárias ao seu
cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que lhes
concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e
entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da
sociedade.
Artigo.
2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas
portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive
dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social,
ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da
Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.
Parágrafo
único. Para o fim estabelecido no caput deste artigo, os órgãos e
entidades da administração direta e indireta devem dispensar, no âmbito de sua
competência e finalidade, aos assuntos objetos esta Lei, tratamento prioritário
e adequado, tendente a viabilizar, sem prejuízo de outras, as seguintes
medidas:
I - na área da educação:
a) a
inclusão, no sistema educacional, da Educação Especial como modalidade
educativa que abranja a educação precoce, a pré-escolar, as de 1º e 2º graus, a
supletiva, a habilitação e reabilitação profissionais, com currículos, etapas e
exigências de diplomação próprios;
b) a
inserção, no referido sistema educacional, das escolas especiais, privadas e
públicas;
c) a
oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimento público
de ensino;
d) o
oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial a nível pré-escolar,
em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam internados, por prazo
igual ou superior a 1 (um) ano, educandos portadores de deficiência;
e) o
acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios conferidos aos demais
educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e bolsas de estudo;
f) a
matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e
particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem no
sistema regular de ensino;
II - na área da saúde:
a) a
promoção de ações preventivas, como as referentes ao planejamento familiar, ao
aconselhamento genético, ao acompanhamento da gravidez, do parto e do
puerpério, à nutrição da mulher e da criança, à identificação e ao controle da
gestante e do feto de alto risco, à imunização, às doenças do metabolismo e seu
diagnóstico e ao encaminhamento precoce de outras doenças causadoras de
deficiência;
b) o
desenvolvimento de programas especiais de prevenção de acidente do trabalho e
de trânsito, e de tratamento adequado a suas vítimas;
c) a
criação de uma rede de serviços especializados em reabilitação e habilitação;
d) a
garantia de acesso das pessoas portadoras de deficiência aos estabelecimentos
de saúde públicos e privados, e de seu adequado tratamento neles, sob normas
técnicas e padrões de conduta apropriados;
e) a
garantia de atendimento domiciliar de saúde ao deficiente grave não internado;
f) o
desenvolvimento de programas de saúde voltados para as pessoas portadoras de
deficiência, desenvolvidos com a participação da sociedade e que lhes ensejem a
integração social;
III - na área da formação profissional e do
trabalho:
a) o
apoio governamental à formação profissional, e a garantia de acesso aos
serviços concernentes, inclusive aos cursos regulares voltados à formação
profissional;
b) o
empenho do Poder Público quanto ao surgimento e à manutenção de empregos,
inclusive de tempo parcial, destinados às pessoas portadoras de deficiência que
não tenham acesso aos empregos comuns;
c) a
promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos setores públicos e
privado, de pessoas portadoras de deficiência;
d) a
adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de
trabalho, em favor das pessoas portadoras de deficiência, nas entidades da
Administração Pública e do setor privado, e que regulamente a organização de
oficinas e congêneres integradas ao mercado de trabalho, e a situação, nelas,
das pessoas portadoras de deficiência;
IV - na área de recursos humanos:
a) a
formação de professores de nível médio para a Educação Especial, de técnicos de
nível médio especializados na habilitação e reabilitação, e de instrutores para
formação profissional;
b) a
formação e qualificação de recursos humanos que, nas diversas áreas de
conhecimento, inclusive de nível superior, atendam à demanda e às necessidades
reais das pessoas portadoras de deficiências;
c) o
incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico em todas as áreas do
conhecimento relacionadas com a pessoa portadora de deficiência;
V - na área das edificações:
a) a
adoção e a efetiva execução de normas que garantam a funcionalidade das
edificações e vias públicas, que evitem ou removam os óbices às pessoas
portadoras de deficiência, permitam o acesso destas a edifícios, a logradouros
e a meios de transporte.
Artigo.
3º As ações civis públicas destinadas à proteção de interesses
coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência poderão ser
propostas pelo Ministério Público, pela União, Estados, Municípios e Distrito
Federal; por associação constituída há mais de 1 (um) ano, nos termos da lei
civil, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista que
inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção das pessoas
portadoras de deficiência.
§ 1º Para instruir a inicial, o interessado
poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que
julgar necessárias.
§ 2º As certidões e informações a que se refere o
parágrafo anterior deverão ser fornecidas dentro de 15 (quinze) dias da
entrega, sob recibo, dos respectivos requerimentos, e só poderão se utilizadas
para a instrução da ação civil.
§ 3º Somente nos casos em que o interesse
público, devidamente justificado, impuser sigilo, poderá ser negada certidão ou
informação.
§ 4º Ocorrendo a hipótese do parágrafo anterior,
a ação poderá ser proposta desacompanhada das certidões ou informações negadas,
cabendo ao juiz, após apreciar os motivos do indeferimento, e, salvo quando se
tratar de razão de segurança nacional, requisitar umas e outras; feita a
requisição, o processo correrá em segredo de justiça, que cessará com o
trânsito em julgado da sentença.
§ 5º Fica facultado aos demais legitimados ativos
habilitarem-se como litisconsortes nas ações propostas por qualquer deles.
§ 6º Em caso de desistência ou abandono da ação,
qualquer dos co-legitimados pode assumir a titularidade ativa.
Artigo.
4º A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga
omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência
de prova, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com
idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
§ 1º A sentença que concluir pela carência ou
pela improcedência da ação fica sujeita ao duplo grau de jurisdição, não
produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal.
§ 2º Das sentenças e decisões proferidas contra o
autor da ação e suscetíveis de recurso, poderá recorrer qualquer legitimado
ativo, inclusive o Ministério Público.
Artigo.
5º O Ministério Público intervirá obrigatoriamente nas ações
públicas, coletivas ou individuais, em que se discutam interesses relacionados
à deficiência das pessoas.
Artigo.
6º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência,
inquérito civil, ou requisitar, de qualquer pessoa física ou jurídica, pública
ou particular, certidões, informações, exame ou perícias, no prazo que
assinalar, não inferior a 10 (dez) dias úteis.
§ 1º Esgotadas as diligências, caso se convença o
órgão do Ministério Público da inexistência de elementos para a propositura de
ação civil, promoverá fundamentadamente o arquivamento do inquérito civil, ou
das peças informativas. Neste caso, deverá remeter a reexame os autos ou as
respectivas peças, em 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério
Público, que os examinará, deliberando a respeito, conforme dispuser seu
Regimento.
§ 2º Se a promoção do arquivamento for reformada,
o Conselho Superior do Ministério Público designará desde logo outro órgão do
Ministério Público para o ajuizamento da ação.
Artigo.
7º Aplicam-se à ação civil pública prevista nesta Lei, no que
couber, os dispositivos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.
Artigo.
8º Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro)
anos, e multa:
I - recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou
fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de
ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da
deficiência que porta;
II - obstar, sem justa causa, o acesso de alguém
a qualquer cargo público, por motivos derivados de sua deficiência;
III - negar, sem justa causa, a alguém, por
motivos derivados de sua deficiência, emprego ou trabalho;
IV - recusar, retardar ou dificultar internação
ou deixar de prestar assistência médico-hospitalar e ambulatorial, quando
possível, à pessoa portadora de deficiência;
V - deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem
justo motivo, a execução de ordem judicial expedida na ação civil a que alude
esta Lei;
VI - recusar, retardar ou omitir dados técnicos
indispensáveis à propositura da ação civil objeto desta Lei, quando requisitados
pelo Ministério Público.
Artigo.
9º A Administração Pública Federal conferirá aos assuntos
relativos às pessoas portadoras de deficiência tratamento prioritário e
apropriado, para que lhes seja efetivamente ensejado o pleno exercício de seus
direitos individuais e sociais, bem como sua completa integração social.
§ 1º Os assuntos a que alude este artigo serão
objeto de ação, coordenada e integrada, dos órgãos da Administração Pública
Federal, e incluir-se-ão em Política Nacional para Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência, na qual estejam compreendidos planos, programas e
projetos sujeitos a prazos e objetivos determinados.
§ 2º Ter-se-ão como integrantes da Administração
Pública Federal, para os fins desta Lei, além dos órgãos públicos, das
autarquias, das empresas públicas e sociedades de economia mista, as
respectivas subsidiárias e as fundações públicas.
Artigo.
10º. A coordenação superior dos assuntos, ações
governamentais e medidas referentes a pessoas portadoras de deficiência caberá
à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
Parágrafo
único.
Ao órgão a que se refere este artigo caberá formular a Política Nacional para a
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, seus planos, programas e
projetos e cumprir as instruções superiores que lhes digam respeito, com a cooperação
dos demais órgãos públicos.
Artigo. 12º. Compete à Corde:
I - coordenar as ações governamentais e medidas
que se refiram às pessoas portadoras de deficiência;
II - elaborar os planos, programas e projetos
subsumidos na Política Nacional para a Integração de Pessoa Portadora de
Deficiência, bem como propor as providências necessárias a sua completa
implantação e seu adequado desenvolvimento, inclusive as pertinentes a recursos
e as de caráter legislativo;
III - acompanhar e orientar a execução, pela
Administração Pública Federal, dos planos, programas e projetos mencionados no
inciso anterior;
IV - manifestar-se sobre a adequação à Política
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência dos projetos
federais a ela conexos, antes da liberação dos recursos respectivos;
V - manter, com os Estados, Municípios,
Territórios, o Distrito Federal, e o Ministério Público, estreito
relacionamento, objetivando a concorrência de ações destinadas à integração
social das pessoas portadoras de deficiência;
VI - provocar a iniciativa do Ministério Público,
ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil de
que esta Lei, e indicando-lhe os elementos de convicção;
VII - emitir opinião sobre os acordos, contratos
ou convênios firmados pelos demais órgãos da Administração Pública Federal, no
âmbito da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência;
VIII - promover e incentivar a divulgação e o
debate das questões concernentes à pessoa portadora de deficiência, visando à
conscientização da sociedade.
Parágrafo
único. Na elaboração dos planos, programas e projetos a seu cargo,
deverá a Corde recolher, sempre que possível, a opinião das pessoas e entidades
interessadas, bem como considerar a necessidade de efetivo apoio aos entes
particulares voltados para a integração social das pessoas portadoras de
deficiência.
§ 1º A composição e o funcionamento do Conselho Consultivo da
Corde serão disciplinados em ato do Poder Executivo. Incluir-se-ão no Conselho
representantes de órgãos e de organizações ligados aos assuntos pertinentes à
pessoa portadora de deficiência, bem como representante do Ministério Público
Federal.
§ 2º Compete ao Conselho Consultivo:
I - opinar sobre o desenvolvimento da Política
Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência;
II - apresentar sugestões para o encaminhamento
dessa política;
III - responder a consultas formuladas pela
Corde.
§ 3º O Conselho Consultivo reunir-se-á
ordinariamente 1 (uma) vez por trimestre e, extraordinariamente, por iniciativa
de 1/3 (um terço) de seus membros, mediante manifestação escrita, com
antecedência de 10 (dez) dias, e deliberará por maioria de votos dos
conselheiros presentes.
§ 4º Os integrantes do Conselho não perceberão
qualquer vantagem pecuniária, salvo as de seus cargos de origem, sendo considerados
de relevância pública os seus serviços.
§ 5º As despesas de locomoção e hospedagem dos
conselheiros, quando necessárias, serão asseguradas pela Corde.
Artigo.
14º. (Vetado).
Artigo.
15º. Para atendimento e fiel cumprimento do que dispõe esta Lei,
será reestruturada a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação,
e serão instituídos, no Ministério do Trabalho, no Ministério da Saúde e no
Ministério da Previdência e Assistência Social, órgão encarregados da
coordenação setorial dos assuntos concernentes às pessoas portadoras de
deficiência.
Artigo.
16º. O Poder Executivo adotará, nos 60 (sessenta) dias
posteriores à vigência desta Lei, as providências necessárias à reestruturação
e ao regular funcionamento da Corde, como aquelas decorrentes do artigo
anterior.
Artigo.
17º. Serão incluídas no censo demográfico de 1990, e nos
subseqüentes, questões concernentes à problemática da pessoa portadora de
deficiência, objetivando o conhecimento atualizado do número de pessoas
portadoras de deficiência no País.
Artigo.
18º. Os órgãos federais desenvolverão, no prazo de 12 (doze)
meses contado da publicação desta Lei, as ações necessárias à efetiva
implantação das medidas indicadas no art. 2º desta Lei.
Artigo.
19º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Artigo.
20º. Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 24 de outubro
de 1989;
JOSÉ SARNEY
João Batista de Abreu
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